10 super dicas sobre clampeamento de cordão

19 de November , 2012

Artigo publicado em ‘Essentially MIDIRS’ – novembro 2011 – volume 2 – número 10
Tradução: Talia Gevaerd de Souza

Outra coisa muito prejudicial à criança é amarrar e cortar o cordão umbilical muito rápido; o que só deveria acontecer quando a criança já tenha respirado repetidas vezes, e toda a pulsação do cordão já tenha parado. Caso contrário, a criança fica bem mais fraca do que deveria, uma porção do sangue fica na placenta, quando deveria ter ido para o bebê.

Erasmus Darwin (1801)

Estas sábias palavras, escritas pelo avô de Charles Darwin, nos lembram que os benefícios em retardar o corte do cordão já eram conhecidos há mais de 200 anos. No século 21, temos um conhecimento bem mais profundo sobre a fisiologia de transição do recém-nascido (Mercer & Skovgaard 2002), além de um crescente corpo de pesquisas que apóiam e expandem as idéias de Erasmus, oferecendo sólidas evidências sobre a importância, tanto para a mãe quanto para o bebê, de se retardar o clampeamento do cordão.

FISIOLOGIA DE TRANSIÇÃO E TRANSFUSÃO PLACENTÁRIA

No útero, o sangue fetal circula do bebê para a placenta através de duas artérias umbilicais, e volta para o bebê através da veia umbilical. O volume total de sangue fetal inclui o sangue que está no bebê, o sangue que viaja pelo cordão umbilical e o sangue da placenta, onde a oxigenação, excreção, metabolismo, transferência de nutrientes e trocas de calor ocorrem. Quando o bebê está a termo, uma quantidade de volume de sangue fetal entre um terço e metade se encontra na placenta de tempos em tempos. Além disso, mais no início da gravidez, quando a placenta é relativamente maior, este volume sanguíneo é ainda maior (Mercer & Skovgaard 2002).

De acordo com Dunn, à medida que o bebê desce durante o período expulsivo, o cordão é pressionado entre o corpo do bebê e a pélvis da mãe, levando a algum grau de compressão do cordão. Isto afeta a pressão baixa da veia, mais do que afeta a pressão alta da artéria, desacelerando o fluxo que vai da placenta para o bebê, mas não o que vai do bebê para a placenta. Então, isto resulta em sangue retido na placenta. Quando o bebê nasce, a pressão é aliviada e aproximadamente 66ml de sangue quente, oxigenado e com PH balanceado flui para o bebê recém-nascido nos segundos após o parto (Dunn 1984).

Nos minutos que se seguem, o útero da nova mãe, que se contrai apertando a placenta ainda no seu interior, força o sangue para dentro do bebê recém-nascido. Entre as contrações, um pouco de sangue pode – e geralmente acontece – voltar para a placenta. O fluxo de sangue ocorre inicialmente através da artéria, que se fecha rapidamente devido ao aumento nos níveis de oxigênio. A pulsação do cordão cessa com o fechamento da artéria, mas a veia ainda patente permite que o sangue flua em ambas as direções, sendo isto um ganho para o bebê. Este movimento de-para continua até que o volume do recém-nascido esteja equilibrado, e a veia finalmente se fecha, provavelmente por conta da exposição ao frio.

Esta transferência de sangue da placenta para o recém-nascido (transfusão placentária – TP) leva, em geral, de 2 a 4 minutos, mas pode se completar num tempo mais curto, especialmente se ocitocina for administrada (Yao et al 1968), ou se o corpo do bebê recém-nascido for acomodado mais embaixo. Assim, a gravidade ajuda o processo. Ao contrário, se o corpo do bebê for erguido para mais do que 20cm aproximadamente, o processo pode demorar ou ficar incompleto (Yao & Lind 1974). Entretanto, elevar o recém-nascido ao nível do abdômen da mãe, ou de suas coxas, não compromete a transfusão placentária (Farrar et al 2010).

O processo de transfusão placentária foi demonstrado graficamente através de inúmeros estudos, nos quais o bebê recém-nascido foi colocado numa balança, com o aumento contínuo de peso refletindo o aumento do volume de sangue. (Gunther 1957, Diaz-Roxxello 2006, Farrar et al 2010). Os estudos mostram um influxo inicial, como descrito acima, seguido por um aumento de peso gradual, com alguns períodos de perda de peso, à medida que o sangue volta para a placenta. Em um estudo, isto ocorreu quando o bebê chorou (Gunther 1957), ilustrando outro possível mecanismo, no qual o bebê pode regular seu próprio volume de sangue.

Nestes estudos, o ganho de peso total ficou em torno de 100g, refletindo uma TP de aproximadamente 100 ml. Entretanto, a TP pode variar de menos de 50 ml até mais de 150 ml. A TP representa em torno de um quarto até metade do volume total de sangue de um bebê recém-nascido, que é de 250-350 ml (Gunther 1957, Diaz-Rossello 2006, Weeks 2007, Farrar et al 2010). Sua perda é equivalente a uma hemorragia de até 1,5-2 litros de sangue em um adulto.

A ampla variação sugere que o volume de sangue final está sob o controle do recém-nascido, mas a regulação só é possível enquanto o cordão não é clampeado. Mesmo quando a pulsação já parou, alguma transferência pode continuar através da veia. Portanto, o clampeamento neste ponto ainda pode interferir com a TP. Um terceiro estágio verdadeiramente fisiológico, em minha opinião, envolve o não clampeamento do cordão até que a mãe tenha parido a placenta de seu bebê.

Uma TP completa oferece ao bebê um grande aumento no volume de sangue, que é necessário para irrigar plenamente os órgãos que estão começando a funcionar: os pulmões, intestino, pele, rins e fígado. Eles estavam inativos e muito pouco irrigados no útero, com a placenta cumprindo suas funções. O volume de sangue fisiológico, completo, que a natureza programou para o bebê favorece suas transições respiratórias e circulatórias – que estão interrelacionadas, e são necessárias imediatamente após o nascimento – e otimiza a mudança na circulação, de fetal para neonatal.

A seguir, detalhes dos benefícios da transfusão placentária completa para o bebê:

1 – BENEFÍCIOS RESPIRATÓRIOS

A TP está repleta de glóbulos vermelhos, oferecendo um rico e eficiente suprimento de oxigênio a todos os tecidos do bebê. Os altos níveis de oxigênio promovem o início da respiração. O volume total de sangue preenche completamente os capilares pulmonares, dilata os alvéolos, e alivia a pressão necessária para fazer a primeira respiração. Níveis repletos de albumina de soro ajudam a retirar os fluidos do pulmão através de osmose (Mercer & Skovgaard 2002).

2 – UMA TRANSIÇÃO FACILITADA

Se o bebê for lento em estabelecer a respiração, o retardo no clampeamento do cordão oferece oxigenação através da placenta como um sistema de apoio. A passagem da responsabilidade pela respiração aos pulmões foi feita para ser gradual, acontecendo à medida que a placenta se solta e a respiração passa a ser mais eficiente. A oxigenação placentária continua por pelo menos 30 segundos após o nascimento (Marquis & Ackerman 1974). O oxigênio extra da TP pode oferecer muitos minutos de apoio (Buckley 2009).

3 – BENEFÍCIOS PARA REANIMAÇÃO

A TP também é um kit de reanimação. O oxigênio e o volume sanguíneo provenientes da TP são tudo o que é necessário para que muitos bebês em situação de perigo possam se ‘auto-reanimar’. A reanimação com o cordão intacto é ótimo, e os profissionais que atendem nascimentos são estimulados a esperar ‘pelo menos um minuto’, antes de clampear o cordão de bebês em situação de perigo (Weeks 2007).

4 – BENEFÍCIOS EM RELAÇÃO AO FERRO

As 30 gramas de ferro contidas na TP oferecem ao bebê proteção para anemia e deficiência de ferro por 6 meses ou mais (van Rheenen & Brabin 2004, Hutton 07). Sólidas descobertas nesta área levaram à mudanças na prática de corte de cordão em muitos locais.

5 – BENEFÍCIOS DA ICTERÍCIA FISIOLÓGICA

A quebra do excesso de RBCs após o parto produz bilirrubina a partir da hemoglobina. A transfusão placentária completa, rica em RBCs, pode aumentar a probabilidade de icterícia fisiológica. Isto pode ser adaptativo; a bilirrubina oferece proteção antioxidante da oxidação e de danos por radicais livres, graças ao repentino aumento dos níveis de oxigênio no parto. A fototerapia diminui o status antioxidante, e pode até ser prejudicial para bebês saudáveis (Aycicek & Erel 2007).

6 – O SENSÍVEL RECÉM-NASCIDO

Como será que o sensível e suscetível recém-nascido vivencia o ‘grande sangramento oculto’ (Diaz-Rosselo 2006) que o clampeamento precoce produz? Será que o choque e a privação poderiam ficar impressos como as primeiras experiências de vida? E, ao contrário, será que a TP completa poderia imprimir confiança e saciedade? Levar a sério a experiência do recém-nascido mudaria radicalmente nossas atitudes e práticas no nascimento.

7 – BENEFÍCIOS DAS CÉLULAS TRONCO

A transfusão placentária completa provê células tronco que migrarão para a medula óssea do bebê, e se transformarão em vários tipos de células sanguíneas. A coleta de sangue do cordão umbilical remove a TP e todos estes benefícios, sem nenhuma vantagem documentada para o bebê (Sullivan 2008, Buckley 2009). “Todas as evidências mostram que o melhor local para armazenamento deste sangue é o bebê”(Diaz-Rossello 2006).

8 – BENEFÍCIOS PARA O CÉREBRO

A TP completa garante que todos os órgãos do corpo sejam irrigados com eficácia, incluindo o cérebro. O corte precoce do cordão pode contribuir para paralisia cerebral e até autismo, de acordo com alguns, caso o baixo volume de sangue leve a uma irrigação cerebral inadequada (Morley 1998).

9 – BENEFÍCIOS COMO MAMÍFEROS

Nenhuma mãe mamífera corta ou morde o cordão antes que ela tenha parido a placenta de seu bebê. Esta é nossa herança mamífera, e é um ideal para as mães humanas também. É isto que permite ao bebê controlar totalmente seu volume final de sangue. A transfusão completa, da placenta para o bebê, faz com que a placenta fique menor, menos pesada, e mais fácil de expelir. Um terceiro estágio mais curto é equivalente à drenagem de cordão e placenta (Soltani et al 2005).

10 – BENEFÍCIOS PARA MÃE E BEBÊ

Deixar o cordão em paz promove um tempo sem intervenções para mãe e bebê durante a hora após o parto, que é um período único e excepcional. Picos enormes de hormônios do parto dão início à comportamentos maternos instintivos e ao vínculo em todas as espécies, garantindo um começo ideal para a amamentação e o vínculo (Buckley 2009).

Referências

Aycicek A, Erel O (2007). Total oxidant/antioxidant status in jaundiced newborns before and after phototherapy. Jornal de Pediatria (Rio J0 83(4):319-22.
Buckley SJ (2009). Gentle birth, gentle mothering: a doctor´s guide to natural childbirth and gentle early parenting choices. Berkeley, CA: Celestial Arts.
Darwin E (1796). Zoonomia or The laws of organic life. London: J Johnson.
Diaz-Rossello JL (2006). Cord clamping for stem cell donation: medical facts and ethics. Neoreviews 7(11):557-63.
Dunn P (1984). The third stage and fetal adaptation. In: Clinch J, Matthews T eds. Perinatal medicine: proceedings of the IX European Congress of Perinatal Medicine held in Dublin, Ireland September 3rd-5th 1984. Lancaster: MPT Press Limited.
Farrar D, Airey R, Law GR et al (2010). Measuring placental transfusion for term births: weighing babies with cord intact. BJOG: An International Journal of Obstetrics and Gynaecology 118 (1):70-5.
Gunther M (1957). The transfer of blood between baby and placenta in the minutes after birth. Lancet 272(6982):1277-80.
Hutton E K. Hassan E S (2007). Late vs early clamping of the umbilical cord in full-term neonates: systematic review and meta-analysis of Controlled Trials. JAMA 297 (11):1241-52.

Marquis L, Ackerman B D(1973). Placental respiration in the immediate neonatal period. American Journal of Obstetrics and Gynaecology 117(3):358-63.
Mercer JS.Skovgaard RL(2002). Neonatal transitional physiology: a new paradigm. Journal of Perinatal and Neonatal Nursing 15(4):56-75.
Morley GM(1998). Cord closure: can hasty clamping injure the newborn? OBG Management July 1998:29-36
Soltani H, Dickinson F, Symonds I(2005). Placental cord drainage after spontaneous vaginal delivery as part of the management of the third stage of labour. Cochrane Database of Systematic Reviews, Issue-4.
Sullivan MJ(2008). Banking on cord blood stem cells. Nature Reviews. Cancer 8(7):555-63.
van Rheenen P, Brabin BJ(2004). Late umbilical cord-clamping as an intervention for reducing iron deficiency anaemia in term infants in developing and industrialised countries: a systematic review. Annais of Tropical Paediatrics 24(1):3-16.
Weeks A(2007). Umbilical cord clamping after birth. BMJ 335(7615):312-3.
Yao AC, Hirvensalo M, Lind J(1968). Placental transfusion-rate and uterine contraction. Lancet 1(7539):380-3.
Yao A C, Lind J(1974). Placental transfusion. American Journal of Diseases of Children 127(1):128-41.

A autora
Sarah Buckley MB, ChB: Dip Obst
Sarah é médica, mãe de quatro filhos nascidos de parto domiciliar, e atualmente é escritora em tempo integral, escrevendo sobre gravidez, parto e maternagem/paternagem. Ela é autora do best-seller ‘Gentle birth, gentle mothering’, com uma nova edição publicada em 2009.

O trabalho de Sarah critica as práticas atuais em gravidez, parto e maternagem/paternagem, partindo das mais amplas perspectivas possíveis, incluindo as científicas, evolucionárias, psicológicas e pessoais. Sarah encoraja todos nós a sermos bem informados, ouvirmos nosso coração e instintos, e assumirmos nosso lugar de direito como os verdadeiros experts sobre nossos corpos, nossos bebês e nossas famílias. Ela mora em Brisbaine, Austrália.

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